28/09/2009

Economia Solidária: Produção de Não-Mercadoria por Meio de Mercadorias

(Publicado no O Povo, edição de 30/07/2006)O mercado é uma instituição mais antiga do que o modo de produção capitalista. Ele surge, na história da humanidade, a partir do momento em que parte da produção, não consumida por uma determinda comunidade, é destinada ao comércio para ser trocada pelo excedente produzido por outras comunidades. É Marx que permite a seu leitor assim pensar, quando diz que pode haver circulação de mercadorias e circulação monetária numa sociedade que tenha como objeto a produção de valores de uso. Para que não subsistam dúvidas, que ele próprio o diga: "a circulação de dinheiro e a de mercadorias podem servir de intermediários a ramos de produção com as mais diversas organizações, essencialmente dirigidas, por sua estrutura interna, para a produção de valores de uso" (O Capital, Livro III,Capítulo XX).Mas é preciso examinar tudo isso mais devagar. Quando Marx diz que a circulação do dinheiro e da mercadoria pode coexistir com a produção de valores de uso, fala de uma época em que o produto do trabalho dos homens não tinha adquirido ainda a forma definitiva da mercadoria. Fala de uma época em em que o produto do trabalho dos indivíduos só se transforma em mercadorias pela ação do comércio. Como ele mesmo o diz, nas sociedades pré-capitalistas, o produto “... só se torna mercadoria por meio do comércio. Aí é o comércio que leva os produtos a se transformarem em mercadorias; não é a mercadoria produzida que, movimentando-se, forma o comércio" (Idem, Ibidem).O autor d´O Capital não poderia ter sido mais claro. Com efeito, se os produtos do trabalho só se transformam em mercadorias pela ação do comércio, o mercado não era ainda um mercado capitalista, no sentido de que ele seria o único espaço através do qual e por meio do qual os indivíduos teriam acesso aos bens necessários à sua sobrevivência. O mercado só se transforma numa instituição eminentimente capitalista quando o dinheiro assume a função de capital, isto é: quando é empregado para explorar trabalho alheio. Para tanto, é necessária a existência de certas condições sociais e históricas: a divisão da sociedade entre capitalistas e trabalhadores assalariados. Assim como o dinheiro não pode ser empregado para comprar escravos numa sociedade de homens livres, não poderá ser utilizado como capital se não encontrar pessoas que vivam unicamente da venda de sua força de trabalho.O emprego do dinheiro como capital inaugura, na história da humanidade, o nascimento do mercado capitalista. Diferentemente do que acontecia nas formas de produção pré-capitalistas, em que o produto do trabalho só se transformava em mercadoria pela ação do comércio, no capitalismo, qualquer objeto produzido pelo homem já nasce como mercadoria. É esta que, movimentando-se, como diz Marx na citação anterior, cria o seu próprio mercado. Como assim? Para que um capitalista transforme seu dinheiro em capital, para fazer com ele gere mais dinheiro, precisa gastá-lo: comprar, de outros capitalistas, máquinas, equipamentos, materias-primas etc., e força de trabalho dos trabalhadores. Como todos capitalistas são obrigados a agir dessa forma, quanto maiores forem seus gastos, maior será o mercado. Ao fazer seu capital circular, movimentar-se, os capitalistas criam, assim, o mercado para a venda de suas mercadorias. É gastando dinheiro que eles enriquecem. Coagidos por essa necessidade de fazer com que seu dinheiro gere mais dinheiro, a burguesia transformou o mundo todo numa imensa feira comercial. Tudo virou dinheiro. Hoje, a mais simples necessidade, seja ela proveniente do estômago ou da fantasia, não pode ser satisfeita se não se pagar por ela, pois tudo é mercadoria. A humanidade inteira tornou-se prisioneira dessa imensa “Matrix Mercantil”.Mas não é assim que pensam aqueles que fazem da economia solidária uma opção de vida fundada na cooperação e na solidariedade entre os produtores. Imaginam que podem combater o capitalismo mediante a organização de comunidades de produtores associados, nas quais pequenos proprietários, operários, desempregados, e até mesmo capitalistas dispõem suas propriedades e força de trabalho em posse comum, para que cada um possa tirar seu sustento em proporção ao valor de sua contribuição. Imaginam que, assim, poderão romper com a lógica mercado. Mas, como romper com essa lógica, se tais comunidades estão inseridas no mundo da produção de mercadorias, e que, por isso mesmo, são obrigadas a manter intercâmbio com ele? De duas uma: ou essas comunidades se tornam auto-suficientes, a ponto de produzirem tudo o que necessitam, ou regridem na história em busca daqueles tempos em que o produto do trabalho só se transformava em mercadoria pela ação do comércio.Como isso é impossível, essas comunidades de “produtores associados” não podem romper os muros da Matrix Mercantil. Os donos do capital sabem disso. Até mesmo ajudam os utopistas defensores da economia solidária a arganizarem seus eventos: cooperativas de fábricas ou oficinas, empreendimentos de granjas e hortas comunitárias, feiras artesanais, reciclagens de lixo, etc. Os governantes, também, pois, igualmente, sabem que o socialismo pregado por esses novos utopistas não assusta mais como antigamente. Socialistas de salão é o que são. Amantes da paz, querem mudar o mundo sem tomar o poder das mãos do capital. Como sonhar não é proibido, que Deus os ajude!

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