21/04/2007

Os Ciclos do Desemprego

O capitalismo é uma sociedade do desemprego. Este fenômeno faz parte de sua lógica mesmo. Que o diga aqueles que lutaram contra essa forma de produção e de distribuição da riqueza social, como Marx, por exemplo. Que o digam também os economistas burgueses amantes da verdade científica, como David Ricardo (1772-1823), que, depois de muito relutar, mudou de opinião e passou a reconhecer que o uso capitalista da maquinaria causa desemprego. Noutra época e com argumentos diferentes, Keynes via o capitalismo como uma sociedade marcada por um desemprego permanente, ainda que a níveis toleráveis. Contemporâneo de Keynes, Kalecki argumenta que sob um regime de permanente pleno emprego, a posição social dos empresários estaria minada e cresceriam a autoconfiança e a consciência da classe trabalhadora. Vale dizer: um certo nível de desemprego é necessário politicamente.
Historicamente, o desemprego passou por três distintos ciclos. [1] Na época da Revolução Industrial, o desemprego surge por conta da expulsão da população camponesa de suas terras e da destruição das formas artesanais de produção até então dominantes. [2] No século XX, durante os anos 30, é a grande Depressão que descarta milhões de trabalhadores e torna seu trabalho desnecessários para a valorização do capital. Entretanto, como o desenvolvimento do capitalismo ainda era relativamente limitado em escala global e até mesmo a nível interno de alguns países europeus, havia, por isso, a esperança de que a retomada do crescimento econômico pudesse reabsorver os desempregados e incorporar mais pessoas ao mercado de trabalho. Isto aconteceu, principalmente, depois da Segunda Grande-Guerra, quando o capitalismo atinge uma escala planetária e passa a viver o que a Escola Francesa da Regulação chama de a "época gloriosa do capitalismo".
Com o fim do "capitalismo glorioso", a reabsorção dos desempregados torna-se mais difícil. [3] Dos anos 80 para cá, o que se observa é a permanência de elevadas taxas de desemprego, e com um agravante: este fenômeno passou a atingir aquelas pessoas que estão chegando pela primeira vez no mercado de trabalho - os jovens que concluíram seus estudos e partem a procura de seu primeiro emprego - ou àquelas que apenas precariamente conseguiram alguma atividade de sobrevivência.
Diante dessa nova realidade, economistas, empresários e políticos profissionais estão revendo seus conceitos do que consideram "níveis aceitáveis" de desemprego. Com efeito, se na década de 50, uma taxa de desemprego de 2,5% era considerada como normal; na década seguinte, 3 a 4% de desempregados eram as estatísticas com que trabalhavam os governos, que consideravam tais estatísticas como expressão de uma situação de quase-pleno emprego. Nos anos 70 e 80, as coisas mudam novamente: agora, o normal passou a ser uma taxa de 5%. Entretanto, tão logo tem início a década de 90, mais uma vez se fez necessário mudar o conceito de níveis aceitáveis de desemprego. Hoje, o normal passou a ser um nível de 6 a 7% de desemprego, que traduzido em números absolutos significam mais de 800 milhões de pessoas desempregadas em todo o mundo. Para quem gosta de comparações, este número cabalístico equivale a 13 "brasis", se se considerar que a força de trabalho brasileira é de 60 milhões de pessoas. Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), este mesmo número retrata uma realidade irreversível, contra a qual nada se pode fazer, a não ser rezar pelas almas desses pobres miseráveis.
Mas isto ainda não é tudo. Junto com o desemprego assiste-se a um processo que a "sociologia do trabalho" batizou coma curiosa expressão "precarização das relações de trabalho", que nada mais significa do que a reinvenção de antigas formas de contração e gerenciamento da força de trabalho. Extensas jornadas de trabalho, trabalho domiciliar e de tempo parcial ou temporário predominam no cenário daquela economia que um dia a "sociologia burguesa" chamou de Primeiro Mundo. Num texto publicado no Le Monde Diplomatique, André Gorz, autor muito conhecido entre os estudiosos do mercado de trabalho, mostra que "na RFA, metade dos contratos de trabalho são de tempo parcial ou a título precário; um terço dos ativos ocupam empregos temporários ou em tempo parcial, com um salário parcial (...). Isto é o que se produz na França, na RFA e, sobretudo nos Estados Unidos e na Inglaterra. Nestes dois últimos países, os desempregados e as pessoas empregadas à título precário e em tempo parcial representam um conjunto de mais de 45% da população economicamente ativa"
Esta é a realidade exigida pela tão decantada globalização, enquanto forma necessária para superar a crise em que se vê atolado o capital desde o início dos anos 70. A antiga estratégia de competição capitalista baseada na redução de custos teve que ceder lugar a novas estratégias, que acirram a luta entre os blocos de capitais em suas disputas por novos mercados. Este forma de competição é resultado do processo de financeirização das empresas industriais, que fazem seus lucros dependerem cada vez mais de especulações no mercado financeiro. Isto gera uma grande instabilidade econômica a nível mundial, que corre paralela com a disponibilidade de novas tecnologias rapidamente renováveis e métodos mais eficazes de organização e gerenciamento da força de trabalho. Por conta desta instabilidade, as empresas precisam de maior liberdade de ação e passam, por isso, [1] a exigir do Estado uma participação mais ativa para desregulamentar o mercado de trabalho e [2] atacar as formas de negociações coletivas com o objetivo de substituí-las por formas de negociações mercadológicas, isto é, de contratações diretas. Não é por menos que esse novo estágio de desenvolvimento do capitalismo exige necessariamente o neoliberalismo enquanto política de administração do sistema. Portanto, não é o neoliberalismo, como muitos imaginam, que inventou a globalização e, sim, o contrário. É por isso que aos saudosistas social-democratas só resta sua eterna ilusão de querer humanizar o capitalismo ou, de tentar remendar o que não tem remendo.

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