21/04/2007

O Lugar do Trabalho no Mundo, Hoje e Amanhã

Quem conhece a obra de Celso Furtado sabe que, para ele, o desenvolvimento e o subdesenvolvimento são dimensões de um mesmo processo histórico. Eis a razão porque, segundo assim pensava, a divisão internacional do trabalho tenderia a aprofundar ainda mais a distância entre o centro e a periferia do sistema. Conseqüentemente, sua conclusão não poderia ser outra: as forças de mercado não seriam suficientes para superar tal estado de coisas. Daí a sua aposta na construção de um projeto político, que deveria ser orientado por duas idéias-força: (1) deslocar o eixo da lógica da acumulação do lucro pelo lucro, para uma lógica dos fins em função do bem-estar social, e (2) incentivar a cooperação e solidariedade entre os países do centro e da periferia.
Infelizmente, Furtado morreu sem ver concretizado o seu projeto político. Pouco tempo antes de sua despedida definitiva, chegava à conclusão que “hoje, mesmo na Europa, não se vê horizonte para uma relativa harmonia baseada no pleno emprego. Para manter o nível de agressividade das economias capitalistas tornou-se necessário abandonar as políticas de emprego. O aumento de produtividade se desassociou de efeitos sociais benéficos. Esta é a maior mutação que vejo nas economias capitalistas contemporâneas”.
Pessimismo de quem se cansou de lutar por um sonho que não viu realizar-se? Ou se trata da disposição de ânimo de um espírito abatido pelos reveses do tempo? Quem dera que assim fosse! Furtado não é o único a não mais acreditar numa sociedade de pleno emprego. Seu pessimismo faz eco com outras vozes. Para Juan Somavia, diretor geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o crescimento econômico não é mais capaz de gerar postos de trabalho suficientes para acabar com o desemprego. Segundo ele, em 2004, a taxa de crescimento da economia mundial, que foi da ordem de 5,1%, resultou apenas num aumento de 1,8% no número de pessoas ocupadas. Mas isso ainda não traduz toda a questão. Até 2015, argumenta Somavia, “cerca de 400 milhões de pessoas se incorporarão à força de trabalho. Isto quer dizer que mesmo que se consiga um crescimento acelerado do emprego para produzir 40 milhões de postos por ano, a taxa de desemprego baixaria apenas 1% em 10 anos”.
No Brasil, as perspectivas para o trabalho são igualmente desanimadoras. Estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o mercado de trabalho no Brasil está encolhendo. Uma pesquisa realizada por essa instituição, junto à indústria automotiva, revela que nos anos 80, para uma capacidade de produção de um milhão e quinhentos mil veículos, este setor empregava 140 mil trabalhadores. Hoje, para uma capacidade de produção de três milhões de veículos, as montadoras empregam apenas 90 mil trabalhadores. Diante dessa realidade, o IBGE sugere duas políticas de intervenção no mercado de trabalho: (1) um agressivo programa de requalificação profissional, e (2) uma drástica redução da jornada de trabalho. Infelizmente, o alcance de tais medidas depende de uma séria de outras condições. No que concerne às políticas de formação profissional, seus resultados estão diretamente sujeitos ao desempenho da economia. Com efeito, para Beatriz Azeredo, economista do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), “... a eficiência desses programas tende a reduzir-se pela disputa de um maior número de desempregados pelas vagas existentes”. Vale dizer, tais políticas são de pouco valor se a economia não estiver criando novos e bons empregos.
Quanto à redução da jornada de trabalho, o IBGE reconhece que seu alcance é, também, limitado. Num contexto de economias globalizadas, a diminuição do tempo de trabalho, diz essa instituição, “não pode ser um ato isolado e unilateral de um só país ou dois. É preciso estabelecer uma nova jornada de trabalho de caráter universal, algo como uma resolução da Organização das Nações Unidas por todos os países e para ser fiscalizada a sua aplicação por um órgão tipo OIT, a Organização Internacional do Trabalho, para que não haja um desequilíbrio nos custos de produção e quebra da eqüidade competitiva entre países no mercado mundial. E, também, para que não haja redução de salários ...”.
Mesmo que se admita uma menor jornada internacional do trabalho, ainda assim não se podem esperar grandes resultados. No caso do Brasil, seria preciso retirar do mercado de trabalho 11 milhões de pessoas, que não deveriam estar trabalhando. Estudos realizados pelo economista Marcio Pochmann mostram que cerca de 2 milhões de crianças, com menos de 14 anos de idade, estão trabalhando ou procurando trabalho. Some-se a este contingente de pessoas, que deveriam estar na escola, 6 milhões de aposentados e pensionistas que continuam trabalhando. Mais grave ainda: 3 milhões de pessoas têm mais de um emprego. Conseqüentemente, menores oportunidades para quem está chegando ao mercado pela primeira vez ou se encontra em busca de um novo trabalho.
Na “Terra do Sol”, o cenário não é menos desanimador. Com uma população estimada de 2,4 milhões de pessoas, Fortaleza tem, hoje, mais de 164 mil desempregados. É muita gente de braços cruzados. Segundo dados do Instituto do Desenvolvimento do Trabalho (IDT), em 1984, 14,74% da força de trabalho estavam procurando trabalho. No ano seguinte, em 1985, essa situação não se alterou; 14,72% continuavam à procura de trabalho. Nos anos 90, somente em 1993, o desemprego caiu abaixo de dois dígitos: 9,13%. Daí em diante, o desemprego voltou a crescer até atingir a taxa de 13,56%, em 1999. Nos anos que abrem o século 21, o desemprego continuou a afligir parcela significativa da força de trabalho. Em 2000, Fortaleza tinha 12,95% de desempregados; em 2001, o desemprego jogava na rua 16,12% dos trabalhadores; atinge 15,30%, em 2002; 16,91%, em 2003 e 17,03%, em 2004. No ano passado, em 2005, 15,68% dos trabalhadores estavam desempregados. Uma queda significativa, se comparada com o ano anterior, 2004. Mas, não há muito a comemorar. Em 2006, o desemprego volta a crescer, atingindo, em março deste ano, 16,21% da força de trabalho. São mais de 20 anos com taxas de desemprego bem acima de 10%.
Que coisa! Parece que não há mais lugar para o trabalho no mundo de hoje. A julgar pelo diagnóstico aqui desenhado, não há como afirmar o contrário. Felizmente, nenhum ceticismo é de todo absoluto. Como diria David Hume, a natureza sempre trabalha contra o cético. Por mais que ele insista em não acreditar em nada, até mesmo em sua própria existência, o mundo não se acaba. Há que continuar a lutar para permanecer vivo. Se é assim, não é descabido pensar num mundo diferente; num mundo onde haja lugar para o trabalho. Quem sabe se não seria possível resgatar o sonho de Celso Furtado? A social-democracia um dia tentou substituir a lógica do lucro pela lógica dos fins, em função do bem-estar social. Conseguiu avanços importantes, a despeito de hoje ser obrigada a abrir mão de muito de suas conquistas históricas. Se uma vez deu certo, não seria oportuno tentar de novo? Quem sabe se, desta vez, não se possa abrir uma porta para o socialismo?

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