28/09/2009

CULTURA E POBREZA INTELECTUAL

Francisco José Soares Teixeira[1]

Publicado no jornal O Povo, Ed. 28.06.09

O animal é hoje o que será por toda sua vida; sua existência é predeterminada pela natureza. O homem, não, diz Rousseau. Ele é livre, pode se afastar da natureza como mostra a história de sua evolução. Quanto mais dela se distanciou, mais se tornou dependente de sua evolução cultural, que se expressa na criação do comércio, da indústria, das artes, da religião, da moralidade e da política.
Cultura são todas essas formas de manifestações espirituais e materiais produzidas pelo homem. Infelizmente, ela é vista unicamente como produção simbólica: arte, música, literatura, pintura e outras etc. Esquece-se, por exemplo, de que a economia também é cultura. Que o diga Weber, para quem a cultura é um dos fatores determinantes no desenvolvimento da economia. Que empresário se aventuraria a abrir um frigorífico na Índia para vender carne bovina?
Essa redução da cultura à sua dimensão puramente espiritual assumiu a força de um preconceito popular, a ponto de se considerarem os recursos aplicados nessa área coisa sem importância. É o que revela o voto da senhora Soraia Thomaz Victor, do Tribunal de Contas do Estado (TCE), questionando a aplicação de 10% dos recursos do Fundo de Combate à Pobreza (FECOP) em projetos culturais. O deputado Heitor Ferre se utilizou do voto da conselheira para criticar aquela Corte que, segundo ele, tudo faz para agradar ao governador.
Se são ou não verdadeiras as alegações do Deputado, pouco importa a este articulista. O que interessa são os seus argumentos contra a aplicação dos recursos do FECOP em projetos culturais. Em seu pronunciamento do dia 3 junho de 2009, como se pode ler na Ata da 63ª Sessão Ordinária, alega em tom interrogativo “qual o sentido de utilizar a verba do FECOP em cultura, se esse povo sequer se educou porque o Estado não se apresentou como educador?”
O nobre deputado confunde, assim, cultura com escolaridade. Se assim é, quer dizer, então, que os índios, que não sabem ler nem escrever, são um povo sem cultura? Ou será que o caro Deputado, bem como a senhora Soraia, desconhecem o que estabelece o artigo 215 da Constituição, segundo o qual cabe ao Estado apoiar e incentivar a valorização das manifestações culturais? Por sua vez, o artigo 216 afirma que “constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial”. Logo, quem não tem acesso a esses bens, por conta de sua situação de miséria e pobreza, deve ser incentivado e garantido pelo Estado.
Uma boa razão por que o parecer da senhora Soraia não foi levado em consideração pelo TCE. O legislador foi sábio. Entendeu que o aceso aos bens culturais é fator de desenvolvimento social; um importante instrumento, que pode ser utilizado para combater a miséria e a marginalidade social. Confundir cultura com escolaridade não só é uma grande pobreza intelectual, como um dos piores preconceitos, pois se admite que é preciso, primeiro, ser educado para ter acesso aos bens culturais. Nesse sentido, os argumentos do Deputado são, no mínimo, medíocres.
[1] Professor de Economia Política.

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