26/12/2011

Uma proposta de refundação da teoria de Marx

Uma proposta de refundação da teoria de Marx

Francisco José Soares Teixeira[1]

Publicado Na Revista Crítica Marxista, CEMAX, UNICAMP, 2011.

O recém-publicado livro de Jacques Bidet, intitulado Explicação e Reconstrução do Capital (ERC), é de tamanha ousadia que o leitor se sente desafiado a acompanhar o seu autor do começo ao fim da obra. Não só ousado, como também extremamente provocador para quem se propõe a ler Marx à luz dos novos fenômenos contemporâneos. Sua escrita é de fácil leitura; porém, portadora de um conteúdo extraordinariamente denso, que exige um profundo conhecimento de O Capital por parte de quem deseje julgar, com propriedade, a proposta de refundação de Bidet.

A primeira parte do seu livro é dedicada à “Explicação” cujo objetivo é completar a exposição de Marx a partir do que este deixou implícito e até mesmo incompleto[2]. Mais claramente, trata-se de acrescentar “novos” conceitos à exposição de Marx que não foram explorados por ele, mas que, de certa forma, não lhe seriam estranhos. Na segunda parte, da “Reconstrução”, Bidet propõe uma nova exposição categorial do Livro I, para que este “esteja à altura de suas ambições: cientificamente coerente, empiricamente pertinente e politicamente significativa”[3].

1. A polêmica sobre as leituras d’O Capital

Mas quem se propõe tamanha empresa, não pode desconhecer que O Capital já é objeto de leituras que gozam de certa posição de “monopólio” no campo acadêmico. Bidet sabe disso muito bem. Destaca as três interpretações mais conhecidas e aceitas, ressaltando-lhes seus devidos créditos, sem deixar de apontar suas insuficiências teóricas.

Mas, em que residem essas insuficiências teóricas? Na explicação da passagem da Seção I para a Seção II de O Capital, na qual Marx investiga a transformação do dinheiro em capital. A primeira dessas interpretações analisa essa passagem como sendo de natureza histórica. Entende a Seção I como expressão de uma sociedade mercantil simples que precede à produção propriamente capitalista. Ora, argumenta Bidet, “Marx trata essa Seção I como início (lógico e não histórico) necessário ao estudo das relações capitalistas”[4]. E com razão. Afinal, para Marx, a apresentação das categorias não corresponde à ordem em que elas aparecem na história, mas, sim, o lugar que cada uma ocupa no interior da sociedade capitalista[5].

A segunda interpretação, descartada por Bidet e que ele designa como “construtivista”, analisa aquela passagem a partir da construção de “... um modelo teórico simples, em que ‘o capital’ é distribuído de modo igual entre todos, a um modelo complexo, no qual ele é monopolizado por alguns. Na realidade, não se trata de uma passagem analítica, mas de um desenvolvimento que nos transporta, do plano das relações entre indivíduos, para o qual a própria noção de ‘capital’ é desprovida de sentido, aos das relações de classes”[6].

A interpretação dialética, que Bidet designa pejorativamente pelo termo “dialetista”, também não consegue dar conta satisfatoriamente da passagem da Seção I para a Seção II, pois interpreta essa passagem como um movimento que vai da aparência do sistema para sua essência[7]. Ora, afirma Bidet, “o que Marx constrói, de fato, no Capital deve ser formulado de uma maneira totalmente distinta: como uma passagem (lógica, não histórica) da forma mercantil de produção, tema da Seção I, na medida em que constitui o invólucro mais geral das relações de produção capitalista, às relações especificamente constitutivas do capitalismo”[8].

Para Bidet, portanto, a leitura “dialetista” peca pelo fato de que interpreta a passagem da Seção I para a Seção II como um movimento que vai da aparência para a essência. Ora, dirá ele, essa leitura comete dos equívocos: (1) toma a Seção I como uma representação do mercado, como se este fosse uma forma organização da produção exclusiva do capitalismo; (2) ao contrario do que pensam os “dialetistas”, a Seção I, como “invólucro mais geral das relações capitalistas”, inclui, além da forma mercado, a forma organização, dois pólos opostos que se regem por lógicas distintas, mas que se implicam mutuamente. É assim que deve ser interpretada a Seção I de O Capital e não como expressão exclusiva do mercado como assim entendem os “dialetistas”, diria Bidet. Além disso, essa leitura, por que parte do mercado para chegar ao capital, não se dá conta de que a dialética “... procede da análise de uma forma determinada, de suas contradições ou insuficiências intrínsecas, que são tais que ela não se mantém por si mesma, mas implica uma determinação ulterior. O mesmo se passa da mercadoria ao dinheiro, do dinheiro ao Estado”[9] . Ora, dirá Bidet, “o mercado não apresenta nenhuma insuficiência ou contradição que implicaria a passagem ao capital”[10].

Essa é a problemática central em torno da qual gira a tese de Bidet e da qual parte para refundar a teoria de O Capital a fim de que essa possa cumprir a meta que ela própria se fixou.

2. Da explicação

2.1. Déficits conceituais

Para Bidet, a passagem da Seção I para a Seção II e desta para a Seção III do Livro I de O Capital exige que se estabeleça antes uma distinção clara entre a produção em geral, mercado e capital. Não sem razão, para ele, “uma das tarefas da ‘Explicação’ será a de elucidar a relação entre produção em geral, o mercado como lógica de produção e o modo de produção capitalista como tal”[11].

Mas antes de expor a “Explicação”, Bidet fala de certos conceitos prévios que Marx deixou de explicitá-los no início de sua apresentação. Afinal, esse início, dirá ele, “não é, como na lógica de Hegel, o da teoria da ciência, mas o da teoria de um modo de produção determinado”[12].

Bidet tem razão. Marx inicia sua exposição partindo da mercadoria, e esta aparece como unidade de duas determinações: valor de uso e valor de troca. A primeira delas vale para a produção em geral, como diria Bidet, para toda história da humanidade, enquanto a segunda é própria do capitalismo. Esse começo parte, portanto, por um lado, de “determinações gerais, comuns aos diferentes sistemas históricos, e nesse sentido prévias a essa explanação, e, por outro, [de] terminações especificas”[13]. Bidet reconhece que esse procedimento é inevitável, uma vez que o próprio objeto da explanação é mostrar como os elementos constitutivos de toda socialidade [socialité] (produzir, consumir, cooperar, comunicar, justificar etc.) estão envolvidos de modo específico nessas ‘relações de produção’ históricas particulares”[14].

Por que desenvolver essas determinações gerais, prévias (modo de produção e processo de trabalho em geral)? Porque, responde Bidet, “se refletimos sobre a possível superação do capitalismo, importa saber o que, na sociedade moderna, é do âmbito da produção em geral, da forma mercantil em particular, ou das estruturas capitalistas: será que isso pressupõe, por exemplo, abolir o mercado? Colocar em causa o projeto ‘produtivo’ em geral? ou instaurar uma outra ordem jurídico-política”[15]?

Isso deve ser suficiente para que o leitor possa compreender por que Bidet considera importante explicitar esses conceitos prévios.

2.2. Explanação da explicação

A “Explicação” começa com os três primeiros capítulos do Livro I: o da mercadoria, do processo de troca e do dinheiro ou circulação. Sua intenção é mostrar a dialética de como a mercadoria se desenvolve na forma dinheiro e como esta necessariamente requer a presença do Estado, que “nunca foi verdadeiramente [avaliada] pelos intérpretes [de Marx] (...). Um Estado definido antes da estrutura de classe, e que se pode definir nesse sentido como um Estado ‘metaestrutural’, cuja figura abstrata será esboçada por Marx nos termos de um Estado ‘mercantil’, se me permitem usar esse termo para designar o Estado capitalista no momento abstrato em que só se conhecem relações de mercado”[16].

Para que o leitor não tire conclusões apressadas, esclareça que o Estado assim definido “antes da estrutura de classe”, não se refere a um antes histórico, mas, sim, lógico. Convém também antecipar o conceito “metaestrutura”. “Meta”, afirma Bidet, “designaria aqui, em primeiro lugar, esse nível superior de abstração pelo qual se deve começar para chegar à explanação da ‘estrutura’ própria do modo de produção capitalista. Esse começo não é apenas legítimo: é necessário. E, embora Marx dele forneça somente uma apresentação unilateral e limitada, é a Marx que devemos (...) o conceito de metaestrutura, que designa um momento ‘abstrato em que só conhecemos os indivíduos, supostamente livres e iguais, que formam a sociedade por intermédio da relação de produção mercantil. Esse momento ‘supera a si mesmo’ (...) transformando-se em seu ‘contrário’: uma sociedade composta por classes, sob o signo da desigualdade, da exploração e da dominação. Mas esse começo, mesmo sendo superado (...), jamais é abolido”[17].

Se é certo que se deve a Marx o conceito de “metaestrutura”, por que Bidet julga que ele apenas realizou uma apresentação limitada e unilateral dessa esfera? Em primeiro lugar, porque Marx teria construído o conceito de mercado como se este fosse específico das relações mercantis, quando, na verdade, são estas que expressam a lógica mais geral e abstrata do capitalismo. Em segundo lugar, acrescenta, Marx reduziu a construção daquele conceito unicamente à análise da mercadoria; deixou de investigar o mercado como tal. Para tanto, seria preciso acrescentar outros conceitos que não aparecem na Seção I, tais como o de preço de mercado e de concorrência dentro do “segmento” e entre “segmentos”, necessários, segundo assim entende, para definir o tempo de trabalho socialmente necessário.

Ora, se Bidet entende que sua leitura de O Capital segue rigorosamente o método que vai do abstrato ao concreto, tal como Marx define nos Grundrisse, conviria lhe perguntar se, conceitualmente, o mais concreto não só poderia ser exposto no final da apresentação, quando então se pode investigar, como o diz o próprio Marx, “as formas concretas que surgem do processo de movimento do capital considerado como um todo”[18].

Conviria ainda indagar-lhe se a categoria de lucro, exposta no capítulo X, do Livro III, não deveria ser também deslocada daí para a Seção I do Livro I. Afinal, sem essa categoria Marx não poderia investigar a formação dos preços de mercados.

Essa não é a única dúvida que o texto de Bidet poderia suscitar. Para ele, o trabalho abstrato só pode ser definido com seu correlato trabalho concreto. Como este último faz parte das determinações gerais, comuns aos diferentes sistemas históricos, o trabalho abstrato seria também uma categoria que pertenceria ao âmbito da produção em geral, isto é, do trabalho em geral. E o que parece mais grave é o fato de que, para Bidet, Marx constrói o conceito de trabalho em geral partindo das comunidades primitivas às sociedades de classes, até o comunismo. Para tanto, lança mão do exemplo de Robinson Crusoé. Este, afirma Bidet, “fornece a figura teórica do ‘trabalho em geral’, conforme o par trabalho concreto (útil)/trabalho abstrato (dispêndio): Marx introduz assim o que eu chamaria de ‘modo do trabalho’ (...), isto é, o trabalho considerado na ausência (isto é, fazendo-se abstração) de toda a sociedade”[19].

Duas coisas chamam a atenção nessa passagem. A primeira é a da redução do trabalho abstrato à categoria de trabalho em geral, que rege por igual toda a forma social de produção. Com certeza, Bidet não desconhece o comentário que Marx faz, quando, dirigindo-se a James Steuart, afirma que este “...prova (...) em detalhe que a mercadoria enquanto forma fundamental elementar da riqueza, e a alienação enquanto forma dominante de apropriação, só pertencem ao período da produção burguesa e que, portanto, o caráter do trabalho que põe o valor de troca é especificamente burguês”[20]. Ora, se, para Bidet, o trabalho abstrato pertence ao âmbito das categorias em geral, a tese de Marx de que somente esse trabalho cria valor cairia por terra?

A segunda refere-se ao fato de que Marx se utiliza da figura de Robinson, como recurso hipotético, para a partir daí dar razão à matéria do saber. É como se Marx partisse do que não é, para chegar ao que é. Se isso fosse verdade, como entender que, para Marx, as categorias são da ordem do ser e do pensar e que, por isso, não recorre à construção de hipótese fictícia?

Essas dúvidas sobre a análise que Bidet faz da Seção I do Livro I não desmerecem sua leitura. Sua explanação sobre a moeda, item III dessa Seção, é extremamente interessante. Seu grande mérito é o de ter percebido a relação entre moeda e Estado, como duas instituições que seguem lógicas distintas. Com efeito, o dinheiro como signo “não é socialmente válido senão pela cotação forçada, pela ação coercitiva do Estado [...] no espaço nacional (...). Assim se afirma o duplo caráter da moeda: obra de mercado e obra de organização, e mais precisamente de uma organização estatal”[21].

Bidet tem toda razão em postular a presença do Estado nesse nível de abstração. A relação entre moeda e Estado mostra que a moeda não é unicamente produto do mercado, que se impõe independentemente da vontade dos agentes sociais. São estes, por meio de um ato “comum de vontade”, que estabelecem a moeda como equivalente geral das trocas. Acontece que Marx introduz os agentes sociais, desde o início do primeiro capítulo, como agentes meramente passivos, personagens econômicas que nada mais são do que personificações das relações mercantis.

Mas será que essa passividade é concebível, num mundo em que os indivíduos são racionais, livres e iguais? – Não, argumenta Bidet. Fundamenta seu raciocínio, valendo-se do próprio Marx, quando este, depois de apresentar o equivalente como detentor de um poder acima da vontade dos homens, afirma que “em sua perplexidade, pensam os nossos possuidores de mercadorias como Fausto. No princípio era a ação. Eles agiram, portanto, antes de terem pensado”[22]. Noutro lugar, declara que o modo de ser do dinheiro “como símbolo é assegurado pela vontade geral dos possuidores de mercadorias, isto é, quando adquire legalmente um modo de ser convencional tomando com isso um curso forçado”[23], imposto pelo Estado.

Bidet encontra, assim, elementos para defender sua tese de que em Marx ... não se pode contentar em fazer falar e agir as mercadorias; simplesmente postular, por exemplo, que uma se vê ‘excluída’ pelas outras como valor de uso, conservando apenas sua função de valor. É preciso que essa exclusão seja um ‘ato’ e este – numa sociedade de pessoas consideradas livres, envolvidas na troca, que é sempre um ‘ato social comum’ – não é concebível senão como um ‘ato comum’, que põe uma mercadoria de lado. Em suma, ‘no princípio era a ação’”[24].

Mas, porque os intérpretes de Marx entendem que o dinheiro é um produto exclusivo do mundo das mercadorias? Marx tem seu quinhão de responsabilidade, na medida em que expõe a mercadoria dinheiro, tomando como referência um único pólo, o pólo mercantil. Pouco ou quase nenhuma atenção dedicou ao seu oposto, ao pólo organizacional. Este, de acordo com Bidet, designa a outra forma racional da coordenação do trabalho social no capitalismo, e compreende, além do Estado, toda forma organizada, como, por exemplo, a organização do trabalho no interior das empresas. Mercado e organização constituem, portanto, os dois pólos da produção social, antitéticos e imbricados, sem serem, contudo, estritamente homólogos.

Bidet entende que esse par, mercado/organização, é pivô da problemática de Marx que, no entanto, não soube fazer dele uso adequado. E não soube porque trata da organização somente na seção IV do Livro I, quando expõe a tendência do sistema, isto é, do movimento que vai da cooperação à manufatura e desta à grande industria. Ora, protesta Bidet, a organização deveria ter seu lugar no início da exposição de O Capital. Prova disso, diria ele, é a teoria do dinheiro que exige, necessariamente, a presença do Estado, dessa forma de organização, como visto antes.

Mas, por que o pólo organizacional deveria ser deslocado para a Seção I? É disto que trata a segunda parte do livro de Bidet, da “Reconstrução”, que será, agora, objeto de uma breve discussão. Afinal, na “Explicação” estão presentes todos os elementos que serão objeto da “Reconstrução”.

3. Da reconstrução

Ao analisar o conceito marxiano do trabalho socialmente necessário, Bidet acrescenta que o “tempo de trabalho (...) nunca é apenas aquele prescrito pela natureza ou pela tecnologia, mas sempre também o que condiciona uma mobilização, um dispêndio socialmente obtido e regulado[25]. No parágrafo seguinte, comenta que “... esse constrangimento assumirá, na articulação das relações mercantis e capitalistas, um duplo sentido: 1) o mercado constrange à produção de determinados produtos, a serem produzidos num determinado tempo; 2) o capitalista exercerá esse constrangimento sobre o trabalhador, e o dispêndio transformar-se-á, assim, como dirá Marx, em “consumo” da força de trabalho pelo capitalista organizador do processo de produção. Trata-se aí, é claro, de duas classes de agentes cuja articulação ainda não é determinada senão abstratamente, e que é preciso não se apressar em transcrever em figuras concretas. Mas é por meio desse acoplamento dispêndio/consumo (da força de trabalho) que deve ser pensada, nesse nível mais essencial, a articulação dos dois momentos mercantis e capitalistas”[26].

É nesse sentido que Bidet entende que esses dois pólos são fatores de classe. Neles estão presentes, portanto, uma tensão que exige seu desdobramento em novas determinações; uma análise mais concreta, diria Bidet.

Agora, sim, é possível compreender por que Bidet entende que a Seção I “... comporta em seu interior a forma ‘não mercantil’ de coordenação do trabalho, que implica outras categorias jurídicas além das que são próprias do mercado (propriedade, liberdade, igualdade): no caso, ‘a autoridade’, a ‘subordinação’ e a relação entre elas de acordo com uma ‘regulamentação social’”[27]. Sendo assim, acrescenta Bidet, “a questão é saber se Marx tem boas razões para chegar à ‘organização’ somente nesse momento da descrição do ‘estágio’ histórico manufatureiro, em vez de tratar dela, a exemplo do mercado, no início lógico (metaestrutural) abstrato, do qual procede o conceito (estrutural) de capitalismo”[28].

Infelizmente, por questão de espaço é-se obrigado atropelar a análise da “Reconstrução” e passar diretamente a questão da passagem da Seção I para a Seção II e desta para a III. Mais claramente, passagem do mercado à forma capital.

Essa questão já está, de certa forma, resolvida. Com o deslocamento do pólo da organização para o capítulo I, Bidet entende que a célula elementar da relação mercantil não é a mercadoria, mas, sim, a empresa. Para ele, “... o objeto de início da explanação, capítulo I, itens I e II, é, ao mesmo tempo, a mercadoria, o mercado, ou a empresa (privada): de fato, são esses termos que a explanação liga entre si. Mas a lógica que define esse início é a da empresa, na qualidade de lógica específica, ligada à forma mercantil de produção, e que se impõe ao empresário como norma de sua prática. É a empresa que pode ser definida como célula elementar da relação mercantil (capitalista), submetida como tal à concorrência (1) dentro de um segmento e (2) entre segmentos (...) e (3) a flutuações de preços da mercadoria (...). É a empresa (e o empresário, como ‘produtor-permutador’) que diz respeito essa tripla determinação, constitutiva do valor-trabalho ...”[29].

Ora, a empresa, como célula de organização da produção de mercadoria, é o lugar em que o tempo de trabalho socialmente necessário é obtido e regulado. É um tempo imposto e, como tal, implica uma tensão entre quem comanda e quem é comandado.

Aí estão todos os elementos (empresa, salariado etc.) que vão exigir a passagem da forma mercado para a forma capital. Não se trata, portanto, de uma passagem que vai da aparência à essência, mas, pelo contrário, da produção mercantil à forma capital. Os dois pólos, mercado e organização, como fatores de classe, exigem o desdobramento das relações interindividuais em relações de classes, uma vez que o tempo de trabalho socialmente necessário é imposto pela empresa, a qual constrange o trabalhador a produzir um valor maior do que o da sua força de trabalho.

Aí está a problemática central em torno da qual gira a proposta de refundação da teoria marxiana. Infelizmente, não há como explorar as implicações dessa reconstrução, como a partir dela, por exemplo, Bidet investiga as alternativas possíveis ao capitalismo. Mesmo assim, vale comentar que o mercado e a organização são polos que transcendem a forma capitalista de produção. Deverão desaparecer no socialismo? Tudo indica que não. Mas essa é uma questão que se deixa à interpretação do leitor.



[1] Professor da Universidade Regional do Cariri (URCA-CE). E-mail: acopyara@uol.com.br; Blog: fcojoseteixeira.blogspot.com

[2] Bidet, Jacques. Explicação e reconstrução do capital. – Campinas, SP: Editora Unicamp, Coleção Marx 21, 2010; p. 33-49.

[3] Idem,Ibidem, p. 167.

[4] Idem,Ibidem, p. 113.

[5] Marx, Karl. Para a crítica da economia política. – São Paulo: Abril Cultural, 1982., p. 19.

[6] Bidet, Jacques., op. cit, p. 113.

[7] Se é certa a leitura que aqui se faz de Bidet, este não teria dúvidas de incluir entre os intérpretes da leitura dialética, Fausto, Ruy. Marx: Lógica e Política. – São Paulo: Brasiliense, Tomos I e II; Grespan, Jorge Luis da Silva. O Negativo do Capital: o conceito de crise na crítica de Marx à economia política. – São: Editora Hucitec e Teixeira, Francisco José Soares. Pensando com Marx: uma leitura crítico-comentada de O Capital. – São Paulo: Ensaio.

[8] Bidet, Jacques., op. cit, p. 113.

[9] Idem,Ibidem, p. 219.

[10] Idem,Ibidem, p. 118.

[11] Idem,Ibidem, p. 49.

[12] Idem,Ibidem., p. 117.

[13] Idem,Ibidem, p. 34.

[14] Idem,Ibidem, p. 34.

[15] Idem,Ibidem, p. 36.

[16] Idem,Ibidem., p. 101.

[17] Idem,Ibidem, p. 52.

[18] Marx, Karl. O Capital: crítica da economia política. – São Paulo: Nova Cultural, 1985.. Livro III, Vol. IV, p. 21.

[19] Bidet Jacquues., op. cit., p. 38-39.

[20] Marx, Karl. Contribuição... Apud Fausto, Ruy. Marx: lógica e política, op. cit. Tomo I, p. 111.

[21] Bidet, Jacques., op. cit, p. 104.

[22] Marx, Karl. O Capital ... op. cit, p. 80.

[23] Marx, Karl. Para a Crítica da economia política, op. cit, p. 87.

[24] Bidet, Jacques. Op. cit, p. 94-95.

[25] Idem,Ibidem, p. 64 (os itálicos são do autor).

[26] Idem,Ibidem, p. 64-65.

[27] Idem,Ibidem, p. 183.

[28] Idem,Bidem, p. 183.

[29] Idem,Ibidem, p. 223.

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